Criminalidade e imigração: como enxergar o problema?

08-04-2025

Seja nas lendas sobre o fim de Roma pelas mãos dos bárbaros ou nos retratos de criminosos ítalo-americanos como vilões nos thrillers urbanos de Hollywood, o estereótipo do imigrante criminoso já faz parte do nosso subconsciente coletivo. Não é, então, nenhuma surpresa que, com o crescimento das grandes cidades e a intensificação dos fluxos migratórios, essa associação entre imigração e crime tenha se tornado um tema central no debate político ao redor do globo. Inúmeras foram as figuras públicas que fortaleceram sua imagem sob a premissa de combater a famosa "crimmigration".

Como destacou Donald Trump, 45o Presidente dos Estados e talvez o maior expoente do movimento : "Eles [os imigrantes] estão chegando em números que nunca vimos antes. Temos uma nova categoria de crime. Chama-se crime-migrante. É algo que você vê o tempo todo. Vê-se em Nova York, onde há confrontos com a polícia. E muito pior do que isso. Vê-se o tempo todo." Nesse contexto, a forma como entendemos o nexo entre imigração e crime é crucial, pois ele sugere implicações políticas com consequências diretas nas nossas vidas. Como por exemplo, a restrição da imigração como um todo ou a intensificação dos esforços de aplicação da lei voltados para a prisão de imigrantes infratores.

O presente texto não tem como objetivo tomar posição sobre o assunto, mas antes oferecer um panorama acerca de questões essenciais para qualquer desenvolvimento na matéria. Nesse sentido, as perspectivas aqui compartilhadas limitam-se a fornecer parâmetros de comparação que permitam densificar o diálogo e aprofundar o senso crítico do leitor a respeito do assunto.

Antes de qualquer coisa, é útil questionar o significado dessa conexão. Quais exatamente são os dados sendo correlacionados? A imigração aumenta o crime como um todo, incluindo entre os não-imigrantes? São contabilizados tanto os imigrantes legais quanto os ilegais? Para responder essas perguntas, o professor Norte-Americano Daniel Mears sugere que a análise deve ter em conta 8 dimensões essenciais.

Estas seriam:

1) Imigrantes vs. Não-Imigrantes;

2) Imigrantes legais vs. Imigrantes Ilegais;

3) Imigrantes vs. Imigração;

4) Tipo de crime;

5) Criminosos vs. Vítimas;

6) Prevalência vs. Incidência;

7) Informação Transversal vs. Temporal;

8) Origem dos dados. As duas primeiras dimensões são auto evidentes, abrangendo, respectivamente, a distinção entre imigrantes — às vezes chamados de "estrangeiros" ou "não cidadãos" — e não imigrantes e a diferencia entre imigrantes legais de ilegais.

Nesse sentido, é importante a obtenção de estimativas precisas sobre o número de imigrantes que entram e permanecem legalmente em determinado território em comparação com aqueles que o fazem ilegalmente. Existe a possibilidade, por exemplo, de que as taxas de criminalidade variem entre imigrantes legais e ilegais. No entanto carecemos de dados confiáveis e precisos sobre os fluxos de entrada e saída de imigrantes como um todo e ainda menos sobre as categorias "legal" e "ilegal". As estimativas disponíveis podem variar drasticamente dependendo da fonte e da qualidade dos dados. A terceira dimensão diferencia imigrantes de imigração. A literatura sobre imigração e crime demonstrou que os fatores associados a indivíduos específicos que imigram ou cometem crimes podem diferir daqueles relacionados a fluxos migratórios agregados ou a padrões e tendências criminais. Em outras palavras, fatores externos ao emigrante em si que podem resultar no aumento da criminalidade.

Por exemplo, a superlotação de uma determinada região pode resultar na deteriorização das suas condições sociais de forma a aumentar o crime tanto entre imigrantes quanto entre os não imigrantes. Nesse sentido, é importante distinguir se estamos analisando o comportamento de indivíduos imigrantes ou os efeitos sociais mais amplos gerados pelo fenômeno da imigração em si. Enquanto o primeiro enfoque busca entender por que certos indivíduos cometem crimes, o segundo avalia como mudanças demográficas podem alterar as dinâmicas sociais e, indiretamente, impactar as taxas de criminalidade. A quarta dimensão relaciona-se com o tipo de delito cometido. É evidente que ao falarmos em "crime" designamos um conjunto de ofensas variadas. Dessa forma, ainda que possa ser útil analisarmos todas essas categorias como um fenômeno único, o nexo causal pode variar dependendo da ofensa em questão. Por exemplo, é possível que o crescimento da imigração não afete significativamente os crimes relacionados à propriedade, mas impactem os delitos envolvendo drogas. Sendo assim, qualquer análise que não atente-se às essas nuances acaba por aproximar realidades que, na verdade, são distintas.

A quinta dimensão refere-se à distinção entre vítimas e ofensores. Embora essa perspectiva nem sempre seja evidente de imediato, compreender o papel do imigrante — se como autor ou como vítima de crimes — é fundamental para avaliar a existência do suposto nexo entre imigração e criminalidade. Mesmo que se aceite como premissa que o aumento da imigração leva a um crescimento nos índices de criminalidade, isso não implica necessariamente que os crimes estejam sendo cometidos por imigrantes. Duas explicações continuam sendo possíveis: o aumento pode decorrer de maiores taxas de delitos praticados por imigrantes ou de um crescimento na vitimização dessa população. Em outras palavras, os imigrantes podem estar mais envolvidos como ofensores, ou mais frequentemente expostos como vítimas — seja por ações de outros imigrantes ou até mesmo de nativos. A sexta dimensão refere-se à distinção entre prevalência e incidência.

A prevalência diz respeito ao número de indivíduos que cometeram pelo menos um crime em uma determinada população, enquanto a incidência se refere ao número total de crimes cometidos por essa população. Por exemplo, se em um grupo de 1.000 pessoas, 50 cometeram pelo menos um crime, a prevalência é de 5%. Se essas 50 pessoas cometeram, ao todo, 150 crimes, então a incidência é de 150 crimes por 1.000 pessoas. Essa distinção é importante porque nos ajuda a entender se o aumento da criminalidade está relacionado ao número de pessoas envolvidas em crimes ou à frequência com que os crimes são cometidos. Um certo grupo de imigrantes pode apresentar baixa prevalência (poucos infratores), mas alta incidência (muitos crimes cometidos), exigindo respostas políticas significativamente diferentes de um grupo com alta prevalência mas pouca incidência.

A sétima e a oitava dimensão relacionam-se com a informação coletada sobre o assunto. Inicialmente, é importante destacar que qualquer estudo sobre o tema precisa contar com dados transversais (coletados em um único ponto no tempo, comparando diferentes grupos ou variáveis) e temporais (coletados durante um período de tempo para demonstrar a evolução do objeto em análise). Os dados transversais nos permitem comparar a criminalidade entre diferentes grupos de imigrantes e não-imigrantes em um momento específico, enquanto os dados temporais são cruciais para entender como a criminalidade desses grupos pode mudar ao longo do tempo. Juntos, eles nos permitem entender como diferentes grupos de imigrantes podem se relacionar com o crime ao longo do tempo. É possível que a estadia no país de destino diminua a criminalidade dentro de certo grupo, mas tenha efeitos opostos em outros. Assim, qualquer estudo completo precisa atentar-se tanto aos diferentes grupos quanto à variável temporal.

Por fim, é fundamental considerar as origens das informações que serão analisadas. Antes de aceitar qualquer pesquisa como fato, é essencial realizar uma análise preliminar das fontes. Muitos dos argumentos sobre o tema baseiam-se em dados obtidos através de estatísticas oficiais dos sistemas penitenciários. Para exemplificar, em 2023, as estatísticas oficiais do Departamento de Justiça dos EUA mostram que, de todas as prisões realizadas naquele ano, 26% estavam relacionadas a crimes de imigração. Além disso, esses dados indicam que 33,7% dos condenados nos tribunais federais não eram cidadãos.

À primeira vista, estes números poderiam sugerir uma maior criminalidade entre os imigrantes. No entanto, é importante destacar que muitas vezes esses dados refletem mais as práticas das agências de segurança do que os comportamentos das comunidades envolvidas. Isso significa que devemos descartar esses dados? Não. As informações provenientes do sistema carcerário dos Estados Unidos podem de fato sugerir uma relação entre imigração e criminalidade dentro de seu contexto.

Entretanto, indicações deste tipo não devem ser vistas como certezas absolutas. Os fatores ligados à origem dessas informações exigem, pelo menos, um certo nível de ceticismo para que se tirem conclusões fundamentadas. De tudo aquilo que foi exposto até agora, claro é que abordagens excessivamente generalistas, típicas do meio político, correm o risco ignorar facetas essenciais do fenômeno migratório. Qualquer teoria que se proponha a comprovar (ou refutar) a causalidade entre a imigração e a criminalidade precisa suportar a árdua tarefa de reconhecer as várias dimensões abrangidas por esse nexo.

Sendo assim, em virtude da relevância prática dessa discussão e dos seus vários desafios metodológicos, é necessário que o assunto seja tratado de forma sistemática e precisa, deixando de lado pré concepções sociais.


Lorenzo Costa, Analista e Colaborador da Diretoria Acadêmica.

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